Translate

domingo, 31 de março de 2013

Diário de Anita Pádua

Como da última vez, resolvi colocar mais um pedaço do diário de Anita, que surdamente sofre. Em forma de contos, tenho certeza que estas passagens do diário serão muito mais do agrado das mulheres do que dos homens.

Solidão

   "Eu gostaria de saber quem foi que inventou esse negócio de que todo ser humano tem que ser iniciado no amor desde...sei lá, desde que nasceu, desde já!" pensava a jovem Anita Pádua consigo mesma ao observar uma garota de 13 anos junto com um menino, em uma festa de alguma debutante da qual ela não lembrava o nome, filha de algum primo de seu pai... "até um garoto de dez anos ao ser perguntado se já beijou sabe que para preservar-se do perigo tem que responder 'sim'. Enquanto isso, eu fico aqui a deriva...".
   Anita estava sentada em uma mesa para quatro, só que sozinha. Ela olhava ao redor e via as pessoas dançando, porém não se sentia tentada. O pessoal era mais novo. O grupo dos adultos também não lhe seduzia. Ela não queria falar sobre a promoção do senhor seu pai. Estava na verdade intrigada sobre em que ponto ela se perdeu. Em que ponto ela deixou de ser como as outras pessoas, deixou de seguir seus ritmos e passos. Passos?! dependendo de como for não é uma coisa exatamente boa seguir os passos dos outros, isso ela sabia. Tinha a certeza de que tinha que trilhar o seu próprio caminho.
   Enquanto estava a divagar, ela começou a imaginar-se conversando com um ser que não era desse mundo, um ser encantado que não deveria estar lá a não ser por força de magia. Este ser de outro mundo lembrava e muito o tipo cortês e charmoso. Era dono de uma gravata negra que lhe concedia um ar de requinte, logo Anita se apaixonou.
  - Olá, como vai?
  - Bem, obrigada - respondeu a garota.
  - Posso ficar aqui com você? Não me sinto bem no meio de tanta gente...
  - Ah, eu também não. Na verdade eu nem queria estar aqui.
  - Eu te entendo. Gostaria de compartilhar uma coisa com você, será que posso?
  - Mas é claro!
  - Eu não tenho nunca tive ninguém.
  - Mas você é tão bonito.
  - Eu só sirvo para afastar as pessoas... - disse o pequeno ser - você é quem é bela.
  - Mas eu não sou perfeita.
  - Eu não me importo.
   Anita sentiu uma espécie de calafrio percorrer-lhe a espinha e se sentiu simplesmente...bem! Diante da nova sensação ela se resguardou, para preservar-se de quem a queria.
  - Só uma pergunta.
  - Diga - disse Anita.
  - Por que não se acha bela?
  -  Eu...não sei - acabava de perceber a garota - eu sou muito diferente. A palidez do meu rosto, o formato do meu nariz...
  - E você acha que isso atrapalha. Minha querida, um punhado de coisas diferentes juntas pode muito bem ser algo belo e inédito, basta ter harmonia! E eu vejo muito disso em você. Vamos, você não achou que Deus deixaria tão fácil o caminho para a verdadeira beleza, não é? Qualquer um pode ficar bonito, porém você é irresistível, algo que quem é bonito não é.
   Nessa hora Anita começou a sorrir. Porém ela logo acordou de seus sonhos e o estranho se foi. Lá estava ela de novo sozinha em um espaço de cem metros quadrados cheio de mesas por todos os lados. Olhava para um lado e para o outro e só via as paredes de cor salmão, ladeando-a com acortinamentos cor azul escuro e púrpura.
   Anita queria morrer de vergonha. Tudo o que mais desejava era estar em casa para descansar. Os presentes lhe disseram que seu pai estava próximo a saída, e era para lá que ela se levantava e se movia, em direção ao fim, não mais que merecido, daquela noite solitária!
  

sábado, 30 de março de 2013

Diário de Anita Pádua

Insegurança

  Uma moça anda solitária pelas ruas pouco iluminadas de algum bairro de São Paulo. A iluminação provêm de alguns estabelecimentos de consumo e alguns postes. Anita Pádua, 19 anos, estatura mediana e cabelos do mais puro e belo negro volta para casa com sua bolsa vermelha no colo.
   "Uma sensação estranha toma conta de mim neste momento", refletia a moça, "sempre me deparei com essa angústia, mas sempre que ela aparece se faz nova. Parece que isso me define mais do que meu próprio nome...", enquanto Anita anda ela olha o interior de um restaurante através de uma janela e vê um grupo de pessoas sentadas ao redor de uma mesa. Uma mulher que faz parte do grupo ri escandalosamente com uma taça de champagne na mão. "Parece que me define mais do que se eu dissesse que moro com meu pai e com minha irmã...que gosto de ler..." Anita olha para a vitrine de uma loja e vê um vestido de cor salmão em um manequim e para. Seu reflexo é visto na vitrine de tão perto que ela chega. Seus olhos brilham intensamente. Sua boca se abre. Ela suspira.
   "Afinal...o que me define?"
   Anita acorda do transe e volta a andar na direção em que andava antes. Tem de voltar para casa, seu pai a espera. A rua que ela anda desemboca em um grande cruzamento de vias. Ela anda agora muito mais despreocupada. "Acho que desde que a mamãe se foi eu fico meio abatida", volta a refletir, "mas isso...isso é algo novo...é ruim demais, e será que ninguém além de mim sente isso?"
   Após atravessar o cruzamento Anita entra em outra rua pouco iluminada. Ajusta a bolsa perto do corpo novamente e olha para os lados. A moça dobra uma esquina e após alguns metros ela chega no metrô, respirando aliviada. Anita pega o vagão mais próximo do que seria a saída na próxima estação, e como sempre acontece com todo mundo ela é encarada por todos que lá estão durante alguns segundos, porém segundos intermináveis. Ela olha para todos, entrecortando o olhar entre o chão e uma pessoa qualquer, o chão e uma pessoa qualquer, ao cabo do que ela faz parte daquele ecossistema. É nesse momento que ela vê o estranho qualquer mais bonito que ela já viu, e fica se perguntando o que um sujeito desses faz no metrô. Deveria ser ator e ter um motorista particular. De qualquer maneira, seus olhares se cruzam e ela logo olha para o chão. A partida do carro é anunciada com o fechamento das portas. Anita aproveita para dar mais uma olhadinha no estranho e toda vez sempre que pode. Para sua surpresa ele também a olha. Mas olha de um jeito que ela pode jurar diferente, como quem indiferentemente gosta do que vê. Impossível. Mas Anita podia jurar que era dessa forma.
   A viagem não é muito longa, e logo acaba. Nada de bom podia provir disso. Naquelas circunstâncias nenhuma abordagem podia ser tão sutil a ponto de não causar estranheza. Por parte dele é claro, pois para ela restava apenas esperar...
   As portas estão prestes a abrir e quando Anita vai passar pelo estranho ela pensa: "Tomara que ele me diga alguma coisa,...qualquer coisa...". As portas se abrem, o estranho não desce mas vai em direção a uma cadeira desocupada frustrando de forma tão boba o tão desejado encontro que Anita esperava. " Ufa! Ainda bem, melhor assim...que constrangimento que seria! O que eu falaria para aquele moço caso ele dissesse alguma coisa?"
   E assim, a moça solitária sai do metrô e anda em direção ao seu destino, onde tão logo irá repousar.